JORNADAS SOBRE O PORTUGUÊS OLIVENTINO
SÁBADO, 28 DE FEVEREIRO DE 2009
No Sábado, dia 28 de Fevereiro, terá lugar na sala de actos do Convento San Juan de Deus, em Olivenza, uma jornada sobre o Português Oliventino, organizada pela Associação Cultural Além-Guadiana. Terá início às 9h 30m da manhã, para inscrição e entrega de documentos.
Pode fazer a sua inscrição on-line em: alemguadiana@hotmail.com
Para mais informação, consultar o site, directamente a partir deste blog.
Eu já fiz a minha inscrição!
3 comentários:
Muito obrigado por pôr uma ligação para nós e por publicar a jornada que vamos celebrar. Manuel Sánchez (do "Além Guadiana").
PARA MELHOR COMPREENDER A JORNADA DO PORTUGUÊS EM OLIVENÇA....
INTERVENÇÃO NO 14.º Congresso do Alentejo, 15 de Junho de 2008: Alentejo, Olivença, "Além-Guadiana"
APELO A ESPANHÓIS E PORTUGUESES PARA SALVAÇÃO DE UMA LÍNGUA
A SITUAÇÃO DA LÍNGUA PORTUGUESA EM OLIVENÇA
1)CONSIDERAÇÕES PRÉVIAS/SITUAÇÃO DO ALENTEJANO
Já não se considera, hoje em dia, que seja "natural" a desaparição de
uma língua. Muito
menos se aceita que haja línguas "superiores" e "inferiores".
Sabemos que uma língua viva sofre evolução. Isso é diferente de
defender que uma
linguagem deva desaparecer, ainda que tal possa ocorrer.
Uma língua não é só um conjunto de sons, articulados de forma
convencional, de modo a
designar algumas necessidades básicas de comunicação. Uma língua,
sabemo-lo hoje, é um
Universo Cultural no qual, entre outras coisas, se encerram os
pensamentos, as emoções,
as percepções do Mundo. A língua reflecte a História, e influencia-a
por sua vez.
Línguas houve que não sobreviveram. Outras que foram salvas à beira da
extinção.
Lembramo-nos todos do caso do Mirandês.
Mesmo as línguas menos utilizadas mostram muito do Universo em que
evoluíram. Refletem a
História de um grupo humano.
O Português, porque é uma língua viva, não parece ter os problemas de
sobrevivência de
uma língua minoritária. Afinal, não tardará muito que tenha trezentos
milhões e
utilizadores. A sua divresidade enriquece-a permanentemente.
Mas... porque não é uniforme, nem está parada no tempo, a Língua
Portuguesa sofre
agressões. E algumas das suas, digamos, formas, podem estar ameaçadas.
Ninguém duvida,
por exemplo, que a "forma" alentejana de falar o Português esteja em
relativo declínio.
Mesmo porque ( e aqui entram aspectos políticos ), ao privilegiarem-se
unitarismos
linguísticos ditos "cultos" e centralismos castradores e
preconceituosos, não houve
grandes cuidados em preservar esse património cultural que era ( e ainda é ) o
"alentejano".
Apesar de tudo, o "alentejano" é um dialecto, ou subdialecto, do
Português. Os falantes
do Português Padrão, os falantes actuais da língua lusa no Alentejo,
se verdadeiramente
cultos, procurarão preservá-lo, registá-lo por escrito, explicá-lo. E,
porque o
"alentejano" tem raízes conhecidas, ele será, pelo menos,
compreendido... embora corra o
risco de ser pouco "sentido".
Àqueles que consideram o "alentejano" uma forma inferior, por só verem
o prestígio social
numa forma de se expressar e não a sua lógica interna, a sua riqueza
cultural, ou o seu
valor histórico, nada há a dizer, pois essas pessoas não poderão ser
consideradas como
verdadeiramente cultas.
Para quem a língua é mais do que isso, para aqueles que têm do
fenómeno linguístico uma
visão mais humanista, muito há a dizer.
O "alentejano" tem séculos de existência". Numa época em que se procura tornar
impensadamente igual tudo o que rodeia o Homem, esquecendo-se que uma
das coisas que mais
o satisfaz é a diversidade, há que lutar para que não morra. Essa é
uma tarefa de todos
os alentejanos, e de todos os amigos da cultura, portugueses ou não.
A luta é difícil, mas há meios, é possível aceder a informação, e
nada, senão muitas
vezes os preconceitos dos próprios alentejanos, impede que se faça um
esforço nesse
sentido.
2) UMA REGIÃO ONDE O "ALENTEJANO" ESTÁ EM RISCO
Mas... a Língua Portuguesa, e, neste caso concreto, a sua forma
alentejana, corre riscos,
e sérios, de extinção, num espaço geográfico onde era "rei e senhor".
Numa região que
fica junto da sua matriz natural. As opiniões políticas não são
consensuais sobre ela,
mas procuremos evitar essa polémica, embora não o possamos desdenhar
completamente, com o
risco de elaborarmos um diagnóstico incorrecto e de prováveis soluções
"curativas" não
poderem, por isso, ser eficazes.
Refiro-me à Região de Olivença, hoje constituída por dois Concelhos:
Olivença e Táliga.
No total, pouco mais de 12 000 habitantes em 463 Km.2. Aqui,
infelizmente, conforme foi
denunciado por dois estudos linguísticos bem significativos (Maria de
Fátima Resende
Matias, "A AGONIA DO PORTUGUÊS EM OLIVENÇA", 2001 ,Revista de
Filologia Românica, vol.
18, 201, e Manuel Jesus Sánchez Fernàndez, "PORTUGUÊS DE ESPANHA.
EXEMPLO: O DE
OLIVENÇA", 2004 ), o Português está em risco. Está "em agonia", diz um
dos estudos.
Não é uma história bonita, esta. E está incompleta. Todavia, a
História da sobrevivência
da Língua Portuguesa em Olivença terá que ser feita um dia. Mais do
que sobrevivência, é
uma História de Resistência, dados a pressão e os condicionalismos
vários, ainda muito
mal estudados.
Mas tem que ser contada, uma e outra vez, enquanto é tempo. O drama
começou em 1801...
Tem-se aqui de se referir toda uma política. Não se pretende levantar
uma polémica, mas
não é possível compreender o que se passou, e a situação actual,
ocultando-se factos
decisivos.
Assim, já em 26 de Janeiro de 1805, suspendeu-se, naturalmente, o uso
da moeda portuguesa
em Olivença. As autoridades espanholas comunicaram então a vários
ofícios, nomeadamente
aos aguadeiros, que era obrigatório usar medidas espanholas
(referiam-se a comprimento,
peso, volume, etc.).
Claro que a Língua não tardaria a sofrer as consequências. A 20 de
Fevereiro de 1805, foi
decidido suprimir toda e qualquer escola portuguesa, bem como o ensino
do Português. A 14
de Agosto de 1805, as actas da Câmara Municipal passaram a ser
escritas obrigatoriamente
em Castelhano, o que fez uma vítima: Vicente Vieira Valério. Este,
negando-se a escrever
na Língua de Cervantes, teve de ceder o lugar a outro. E acabou por
morrer à mingua de
recursos, personificando um drama cujo desenvolvimento se processaria,
geração após
geração.
Há notícias de oposição dos oliventinos a estas medidas. As Escolas
privadas continuaram
a ministrar ensino em Português, até que são fechadas a 19 de Maio de
1813, com o
propósito (oficial) "de evitar qualquer sentimento patriótico
lusitano" ( A.M.O. leg/Carp
7/2-18, 19-05-1813, n.º 1324; revelado por Miguel Ángel Vallecillo
Teodoro, "Olivenza en
su História", Olivença, 1999 ).
Mas, porque eram muitos os oliventinos que queriam que os seus filhos
fossem educados na
língua materna, continuaram a existir professores particulares para o fazer. O
"Ayuntamiento" não hesitou, e proibiram-se "as aulas particulares, sob
pena de multa de
20 Ducados", em 1820 ( A.M.O. leg/Carp 8/1-171, 7-10-1820, n.º 1704;
revelado, também,
por Miguel Ángel Vallecillo Teodoro, "Olivenza en su História",
Olivença, 1999 ).
A população oliventina mantinha as velhas tradições, a vários níveis,
procurando agir
como se nada tivesse mudado. Mas tal foi sendo cada vez mais difícil,
e muita gente foi
emigrando, principalmente para as povoações portuguesas mais próximas.
Em 1840, trinta e nove anos após a ocupação espanhola ( recorde-se:
efectuada em 1801 ),
o Português foi proibido em Olivença, inclusivamente nas Igrejas. O
combate contra a
Língua de Camões já vinha de trás, todavia.
Algumas elites forma aceitando o castelhano. O Português foi-se
mantendo, teimosamente,
principalmente a nível popular. Numa deliciosa toada alentejana, que
logo as autoridades,
vigilantes, classificaram como "chaporreo", palavra de difícil
tradução (talvez "patois";
talvez "deturpação"), que criou complexos de inferioridade nos
utilizadores, levando-os,
cada vez mais, a usar a Língua Tradicional apenas a nível caseiro,
dentro do aconchego do
lar, em público, quase só por distracção, ou com amigos próximos.
3) ÂNGELO BREA HERNANDEZ E AS SUAS CONCLUSÕES
Cabe aqui citar algumas considerações do autor contemporâneo Ângelo
José Brea Hernandez,
o que já fiz, sem hesitar, noutros trabalhos. A maneira como ele
descreve o fenómeno de
destruição de uma língua, tornada minoritária ,são de extrema actualidade.
Segundo o citado, é costume, no colonialismo "tradicional", considerar
a Cultura
Dominante como muito superior às culturas dominadas. Tal situação
verifica-se sempre em
qualquer situação colonial, já que uma cultura tenta destruir a outra.
Sem nos limitarmos
apenas ao exemplo do Colonialismo Clássico, podemos analisar este
aspecto através de
outras situações. Assim, é sabido que a Cultura Urbana tenta dominar a
Cultura Rural; que
a cultura da Grande Cidade procura dominar a das pequenas cidades; que
a Cultura das
Regiões Centrais tente dominar as Culturas das Regiões Periféricas.
Todavia, nestes casos
quase não existe um conflito num sentido clássico ou violento do
termo. Já, por exemplo,
no colonialismo europeu em África, as diferenças são significativas, e
o conflito assume
formas bem violentas...
Todavia, entre culturas próximas, a cultura dominante tem evidente
facilidade em
assimilar a da sua região dominada. À partida, já muita coisa é igual!
Não obstante, e por estranho que pareça, isso nunca é completamente
possível. Isto porque
se de facto a região, mesmo pequena, tem uma cultura própria ainda que
parecida, há
muitos factores que o impossibilitam ou dificultam em externo, como a
própria dinâmica
interna da língua, a psicologia, o carácter, os nomes e apelidos, a
arquitectura, e
muitas outras coisas, de maior ou menor revelância. Por isso, por toda
a Europa, por
exemplo, em muitos Países, algumas culturas locais conseguiram
resistir e conquistar o
direito à diferença. Nacionalidades/Culturas que se julgam mortas
renasceram. Desde
talvez os Séculos XVI e XVII, o colonialismo, ou colonização, e a
aculturação forçada,
perderam quase toda a sua eficácia na maior parte da Europa. As
pequenas regiões, mesmo
falando línguas dos seus dominadores, não aceitam a sua destruição.
Também não há razões fundamentais, hoje em dia, para se considerar que
as culturas
maiores em área ou população têm mais direitos do que as menores. E
parte-se do princípio
que, entre povos e estados modernos, Estados de Direito, os problemas
culturais, ou
fronteiras, ou outros, já não são tão dramaticamente conflitivos como
noutros tempos. Por
outro lado, deixar problemas por resolver, ignorando-os, provou não
ter sido uma atitude
correcta, como o provaram os conflitos aparentemente ilógicos e cruéis
na antiga
Jugoslávia...
Também muitos argumentos de carácter económico mostraram não ser
definitivos... porque
nada é definitivo! Hoje, uma economia está mais forte... mas, no
passado, não era isso
que se verificava! E... quem pode dizer como vai ser o futuro?
Afinal, NÃO HÁ CULTURAS SUPERIORES OU INFERIORES. HÁ CULTURAS
DIFERENTES, TODAS
RESPEITÁVEIS. NÃO HÁ OUTRO CAMINHO VISIVEL PARA O FUTURO QUE NÃO SE
BASEIE NESTE
PRINCIPIO. Na verdade, a causa de muitos conflitos actuais está no NÃO
CUMPRIMENTO OU
ACEITAÇÃO deste princípio, quer no passado, quer no presente. Desta
forma, alguns dos
argumentos tradicionais para justificar algumas aculturações estão
sujeitos a uma curiosa
evolução, perdendo valor, enquanto outro tipo de argumentos ganham peso.
4) VOLTANDO A OLIVENÇA
O hábito e o amor-próprio levavam o oliventino a, quase
constantemente, "saltar" do
castelhano para o português. De tal forma que, depois de duzentos anos
de pressão, ele é
entendido e falado por cerca de, pelo menos 35% da população, segundo
cálculos da União
Europeia (Programa Mosaïc).
Como sucede, contudo, neste casos, em qualquer ponto do Globo, o
Português foi perdendo
prestígio. Não sendo utilizado nunca em documentos oficiais, na
toponímia (salvo se
traduzido e deturpado), ou em qualquer outra situação que reflectisse
a dignidade de um
idioma, manteve-se, discretamente, por vezes envergonhadamente. A
Televisão e a Rádio
vieram aumentar a pressão sobre o seu uso e compreensão.
A Ditadura Franquista acentuou a castelhanização. Agora oficialmente,
o Português era uma
Língua de quem não tinha... educação! Uma Língua de Brutos, ou, como
também se dizia, uma
Língua Bárbara!
Não obstante, ela sobreviveu. Mesmo nas ruas, surgia e ressurgia, a
cada passo...
raramente na presença da autoridades. Mesmo algumas elites continuavam
a conhecê-la,
embora numa fracção minoritária.
Nas décadas de 1940, 1950, e 1960, era raríssimo, mesmo impossível em
alguns casos,
encontrar professores, polícias, funcionários em geral, que fossem
filhos da terra
oliventina, na própria Olivença. Colonizadores inconscientes, peões
numa política geral
de destruição das diferenças por toda a Espanha.
Se há ironias na História, esta pode ser uma delas. Alguns desses
cidadãos "importados",
com muito menos complexos que os naturais porque não tinham, quaisquer
conflitos de
identidade, ou os seus filhos, puseram-se a estudar os aspectos "curiosos",
"específicos", da cultura oliventina! "Oliventinizados", por vezes
até, ainda que
ligeiramente, em termos linguísticos, acabaram por produzir trabalhos
de valor sobre a
cultura da sua Nova terra, que podem chamar para sempre, e sem
contestações, de Terra
Mãe, por adopção, por paixão, ou já por nascimento.
5) NOVOS TEMPOS/ALGUMAS PROPOSTAS DE SOLUÇÃO
A Democracia deveria ter aberto novas perspectivas, mas os fantasmas
não desapareceram de
todo. Alguns cursos de Português foram surgindo, com maior ou menor
sucesso. Por vezes ao
sabor de questões políticas, como durante a Década de 1990 por causa
dos avanços e recuos
no atribulado processo que levou à construção de uma nova Ponte da
Ajuda o Guadiana,
entre Elvas e Olivença (inaugurada em 11 de Novembro de 2000).
Em 1999/2000, continuando em 2000/2001, a Embaixada de Portugal em
Madrid, e o Instituto
Camões, passam a apoiar o apoiar o ensino do português no Ensino
Primário em todas as
Escolas de Olivença. Incluindo as Aldeias. Apenas Táliga, antiga
aldeia de Olivença
transformada no Século XIX em município independente, está ainda de
fora deste projecto,
para o qual foram destacados, primeiro três, depois quatro professores
portugueses.
Aproveite-se para dizer ser urgente acudir a Táliga, onde só 10% da
população ainda tem
algo a ver com a Língua de Camões. Urgentíssimo!
Tinha sido dado um primeiro e importante passo. Mas não se tem
revelado suficiente. O
Estado Português deverá tentar influenciar a tomada de outras medidas,
dada até a sua
posição sobre o Direito de Soberania sobre Olivença: o ensino da
História (que não é
feito em parte nenhuma em Olivença), por exemplo: a utilização prática
da Língua, em
documentos oficiais, toponímia, etc.; a continuação do Estudo do
Português até níveis de
ensino mais avançados; e tantas coisas mais que se poderiam referir!
Não resisto a citar um caso em que a omissão de dados históricos é
particularmente
significativa: muitos oliventinos pensam que há "Olivenças" na América
Latina, mas pensam
ser no México ou na Argentina, o que é falso. Ignoram,quase todos, que
há três Olivenças
no Brasil (uma no interior de Alagoas; outra na costa baiana, junto a
São Jorge de
Ilhéus; uma terceira no Amazonas, denominada São Paulo de Olivença), e
que houve uma em
Angola (hoje Capunda-Cavilongo) e outra em Moçambique (hoje
Lupulichi). Que idéia tem o
oliventino do seu papel no Mundo?
Pouco interessa aqui dar demasiada relevância ao problema que subsiste
entre os dois
maiores Estados Ibéricos. O que não se pode negar é e ele existe e
influencia esta
problemática, ainda que pouco importe aprofundar aqui quem tem razão.
Não se pode,
também, é "fingir" que está tudo perfeitamente definido ! muito menos
em nome do
politicamente correcto....
Para já, e acima de tudo, é preciso dar à Língua Portuguesa
dignidade... e utilidade.
Descolonizar/Recuperar Cultural e Linguisticamente, pelo menos em
termos psicológicos.
Revalorizar o Português que sobrevive, o qual, por ser uma variante da
fala lusa regional
do Alentejo, é vítima de comentários pouco abonatórios. Deve-se "fazer
a ponte" entre as
velhas gerações e os jovens alunos. Ensinando-lhes, por exemplo, a
partir de exemplos da
velha poesia popular e erudita oliventina, no idioma de Camões, e que
é ainda, graças a
recolhas etnográficas e a alguns poetas populares vivos,
suficientemente conhecida para
tal. Porque, sem perceberem que estão a dar continuidade à cultura dos
seus avós, os
jovens oliventinos dificilmente compreenderão que aprender a língua
lusa é muito
diferente de aprender uma língua estrangeira (Inglês, Francês,
Alemão). É preciso dizer
claramente que o Português é imprescindível para que as novas gerações
compreendam o que
as gerações anteriores quiseram transmitir.
6) EXEMPLOS DE FALA OLIVENTINA/UMA VOZ CONSCIENTE
Não resisto a dar aqui alguns exemplos da tradição popular oliventina,
dominada pela
terminologia alentejana:
Na Vila de Olivença
não se pode namorar!
As velhas saem ao Sol
e põem-se a criticar!
Ó minha mãe, minha mãe,
"companhêra" de "mê" pai,
eu "tamêm" sou "companhêra"
daquele cravo que ali vai!
Eu tenho uma silva em casa
que me chega à "cantarêra"
busque "mê" pai quem o sirva
que eu "nã" tenho quem me "quêra"!
Olha bem para o "mê" "pêto"
onde está o coração
vê lá se disto há "dirêto"
diz-me agora: sim ou não !
"Azêtona" pequenina
também vai ao lagar;
eu também sou pequenina
mas sou firme no amar.
Saudades, tenho saudades,
saudade das "fêticêras".
Lembrança das amizades
da terra das "olivêras".
Se eu tivesse não pedia
coisa nenhuma a "nênguém"
mas, como "nã" tenho, peço
uma filha a quem a tem.
Adeus, Largo do Calvário
por cima, por baixo não.
Por cima vão os meus olhos
por baixo, meu coração.
Textos destes poderiam multiplicar-se. Ainda, entre os idosos, há quem
conheça estas
quadras. Mas entre os jovens, poucos as conhecem. Como é possível que
não se ensine
Português aos oliventinos... começando por quadras como estas ?
Começando por ouvir
idosos declamarem-nas ?
Exemplos de que não tem sido essa a perspectiva do Ensino do Português
ora leccionado
encontram-se, por exemplo, no facto de, durante algum tempo, ter-se
considerado que
continuar o Ensino do Português no Secundário, como sucede em Badajoz
e noutros locais,
poderia ser perigoso em Olivença. Ridículo! Depois, tal foi levado a
cabo, dizem que
quase mais por insistência do Professor João Robles Ramalho, que de
outra coisa. E, como
o dito professor morreu, de repente, há uns meses... espera-se que tal
não seja usado
como desculpa para não se voltar a ensinar a língua a nível mais
avançado. Haja
esperança....
Mas a situação actual não é famosa. Há estudos que falam em "declínio
do Português em
Olivença", no seu uso coloquial. Como dizia um jovem oliventino (Junho
de 2007), a este
respeito, «isto é uma verdadeira tragédia; depois de pouco mais de 200
anos, o português
vai desaparecer em Olivença; a alma dos povos é a lingua; a lingua é a
memória, é tudo;
em Olivença vam ficar sómente as pedras, as fachadas, do que foi o seu
passado português;
Nao há nada mais triste que conhecer que o fim vai chegar e ninguém
fiz[fez] nada para
evitá-lo; ninguém compreende que a morte do último luso-falante vai
ser a morte da alma
portuguesa, o fim de gerações falando português nas ruas, nas
moradias, no campo
oliventino, ao longo de mais de sete seculos?». E continua: «O artigo
da senhora Fátima
Matias explica perfeitamente as razoes e o contexto da agonia do
português em Olivença;
mas... agora ja nao há ditadura; Deveriamos ficar orgulhosos de ter
esta riqueza
linguística e procurar a defesa
e o ensino do português oliventino; (...) e, um pouco também, o Estado
português é também
responsavel; com independência de questões de índole soberanista,
deveria implicar-se na
promoção do português em Olivença e nao sómente não reconhecer [a
soberania espanhola] e
não fazer nada.»
Pode-se aplaudir o que se faz hoje, mas é imprescindível algo mais:
faça-se um estudo do
Português-Alentejano falado em Olivença, e ligue-se o mesmo ao
Português-Padrão ensinado
nas Escolas, de modo a fazer a ligação entre as gerações e produzir uma normal
continuidade que deveria naturalmente ter ocorrido. Assim se corrigirá
a distorção
introduzida pela pressão do Castelhano. Este estudo pode ser feito por
quem se mostre
capaz de o fazer: portugueses, mas também alguns especialistas e
linguistas extremenhos.
A nenhum Estado (Portugal ou Espanha) se poderá perdoar deixar morrer
uma cultura !
7) UMA LUTADORA EM NOME DA CULTURA E DA TRADIÇÃO
Há alguém, em Olivença, que é um exemplo. Trata-se de uma Senhora, que
não admite que
ponham em causa o seu amor a uma Olivença espanhola. Todavia, e para
honra e Espanha,
esta incansável senhora, Rita Asensio Rodríguez, tem dedicado a sua
vida a escrever
livros e mais livros, onde descreve os velhos costumes oliventinos, e,
o que mais nos
interessa aqui, a sua maneira de falar. Muitas vezes ela opina que se
trata de formas
únicas no mundo, pois desconhece o "alentejano". Todavia, ela faz
recolha após recolha, e
é ela que mais sabe, hoje em dia, sobre a fala popular oliventina. O
seu último trabalho
("Apuntes para una História Popular de Olivenza", 2007), para além de
descrever inúmeras
tradições populares, algumas já desaparecidas, tem no fim uma espécie
de "pequeno
dicionário" de oliventino-espanhol.
Citar alguns exemplos é a melhor forma de justificar o tema da minha
comunicação.
Começo por termos que não foram alterados, e que são comuns ao
Português -Padrão:
Alcofa; Atrapalhado; Abóbora; Agriões; Alfazema; Bacorinho; Brincos;
Bicas; Bazófia;
Costas; Carocha; Chapéu; Coentro; Calças; Coelho; Courela;
Espalhafato; Escaravelho;
Esquecer; Ferro (de engomar); Fornalha; Grãos; Gargalo; Garfo;
Ervilhas; Lenço; Maluco;
Melão; Minhocas; Osga; Pousio; Picha; Pintassilgo; Peúgas; Poleiro;
Panela; Rola;
Roseira; Ranho; Saudade; Salsa; Turra; Tacões; Ventas (nariz); Vespa.
Sigo com termos alentejanos,ou que considerei como tais para melhor
explicar,na sua forma
original, na sua forma actual usada em Olivença, e traduzidos, se necessário:
Azevia/Açubia(-); Alguidári; Alface/Alfaça; Azêtona; Arrecadas/Arcadas
(grandes brincos);
Andorinha/Andrurinha; Alarvices; Paleio/Apaleo; Asnêras; Amanhado
(arranjado, preparado);
Alicati; Alentar/Alantar (crescer); Aventar (deitar fora, derrubar);
Vasculho/Basculho
(vassoura); Melancia/B´lancia; Barbulha (borbulha); Brócolos/Broquis;
Bebedêra/Bebedela;
Biquêra; Badana (mulher velha); Baldi; Bandalho (mal vestido);
Barranhola/Barranhali
(Banheira); Púcaro/Búcaro; Boleta (Bolota); Caliche (Caliça); Cuitadinho;
Descarada/Cascarada (!); Corremaça (correria); Cueiros/Culêros; Chico
(Francisco);
Descasqueado (Limpo); Dôtorice (jactância); Embatucado (sem palavras);
Escandalêra;
Engadanhado (impedido de usar os dedos por causa do frio);
Empolêrar-se; Esturricar;
Escancarar(abrir totalmente); Ajoelhar-se/Esvoelhar-se;
Escavacada/Escavada (!); Entrudo;
Enciêradas (gretadas de frio); Janela/Esnela; Centopeia/Entopeia;
Falhupas (chiapas de
lume); Esfregão/Fregón; Fartadela; Feij
ão-frade/Fradinho; Fanhoso; Fedorento/Fudurento; Fêtecêra; Farinhêra mole;
Ferrugento/Furrugento; Fatêxa; Garganêro (açambarcador, egoísta);
Galiquêra ou Caliquêra
(doença venérea); Libória (tonta); Lençoli/Lançoli; Leque/Lecre;
Mangação/Mangaçón
(troça); Melhoras (Boas melhoras); Monte/Monti (Herdade);
Mexeriquêra/Mixiriquêra;
Mascarra (Sujidade, Amorenado); Mondar (actividade agrícola); Nódoas/Nodas;
Pantanêro/Patamêro (lama); Cair de Pantanas (cair de costas);
Pelintra/Pilintra;
Passarola/Passarinha/Passarilha (Púbis e vulva); Piali (Poial);
Reboliço/Raboliço;
Remela/Ramela; Repesa (arrependida); Ralhar/Rayari; Rabujento/Rabulhento;
Ceroulas/Cirôlas; Chocalhos/Sacayos; Surrelfa; Saboria (Sensaboria);
Cenoura/Cinôra;
Sabola (Cebola); Tanjarina; Devagarinho/Vagarito; Velhici; Varais dos
òculos/Varales dos
ócalus; Sarrabulho (confusão, desorganização)
Lamento ter-me alongado, mas talvez assim tenha transmitido algo de
concreto que de outra
forma não seria possível. Ouviram falar "alentejano", ou oliventino...
como queiram; e
esta senhora, Rita Asencio Rodríguez, tem mais três ou quatro livros
mais antigos
publicados dede há trinta anos.
Como se pode deixar perder tudo isto? A História não nos perdoaria.
8) ALGUNS EXEMPLOS COLHIDOS AQUI E ALI
Não resisto a lembrar algumas reacções com que me deparei em Olivença.
Por exemplo, numa aldeia, falando em Português com os donos de um
"estanco" de Tabacos,
insisti no conhecimento histórico e na preservação da língua. Os
interlocutores, falando
em Português, contestavam essas opiniões. Dei o exemplo deles
próprios, a falar a língua
lusa. A reacção foi devastadora: "Malditos dos nossos pais, que nos
deixaram esta língua!"
Outro exemplo: num Monte (herdade) oliventino, falando com uma senhora
de, talvez, trinta
anos, fui correspondido em português/alentejano. Recordo uma frase
dela, ao dirigir-se ao
marido: "Segura aqui no "minino", para eu temperar a "selada".
Mas, cerca de cinco minutos depois de conversação, a mesma senhora,
sem que nada o
fizesse prever, interrompia o seu discurso na língua de Camões, e
declarou, aterrada:
"Desculpe! Estou a falar em Português! É falta de Educação!"
Começou a falar em castelhano. Claro, contestei a decisão... ouvindo
aquilo que talvez
mais irrita um alentejano em Olivença (e se ouve continuamente...)
como justificação:
"Isto que a gente fala já não é Português, é um "chaporreo".
Um outro exemplo pretende mostrar como o Português que se ensina
actualmente em Olivença
provoca choques geracionais. Um idoso de um Monte (herdade), quando
foi por mim elogiado
por falar idioma luso, ripostou-me: "isto já não é Português, nem é
nada. A minha
sobrinha, que aprende na Vila (Olivença), é que fala um Português
verdadeiro. Ela até me
critica!"
Para acabar, um exemplo mais pitoresco. Encontrei em Olivença um homem
de cerca de
cinquenta anos, que, ironizando, me disse que falava Português porque
nessa língua "não
há confusões entre Padre (sacerdote) e Pai." Aqui, uma posição crítica
em relação ao
cristianismo ajudava a preservar a língua.
9) JÁ OS ANTIGOS SABIAM...
A atitude de muitos oliventinos, que se orgulham de já falarem
espanhol "sem acento", e
de já não se distinguirem dos "espanhóis verdadeiros", o que, já por
si, é uma afirmação
curiosa, faz-me lembrar uma "análise" de Tácito, sobre o modo como os
conquistados pelo
Império Romano iam aceitando a Cultura do Conquistador.
Dizia ele: "(...) os mais propensos há pouco a rejeitar a língua de
Roma ardiam agora em
zelo para a falar eloquentemente. Depois isto foi até ao vestuário que
nós temos a honra
de trajar, e a toga multiplicou-se, progressivamente. Chegaram a
gostar dos nossos
próprios vícios, do prazer dos pórticos, doa banhos e do requinte dos
banquetes, e estes
iniciados LEVAVAM A SUA INEXPERIÊNCIA A CHAMAR CIVILIZAÇÃO AO QUE NÃO
ERA SENÃO UM
ASPECTO DA SUA SUJEIÇÃO."
Podemos transpor esta reflexão para o campo linguístico em Olivença. E
só nos podemos
espantar com "a sabedoria dos antigos", como se costuma dizer.
10) CONCLUSÕES
Contrariar a situação de agonia do Português Popular de Olivença é uma
tarefa que não se
limita aos defensores da lusofonia. Para já, alguns possíveis
"remédios" foram propostos
ao longo deste trabalho.
Mas a questão NÃO É SÓ lusófona.
Quero deixar aqui um apelo a Espanha, e muito particularmente às
autoridades da
Extremadura Espanhola, e ainda mais particularmente às autoridades
municipais da Região
Histórica de Olivença.
Não importa que se defenda que Olivença deve ser espanhola,
portuguesa, ou até mesmo
francesa ou coreana. O que não é digno é que, em pleno Século XXI,
numa Europa que se diz
herdeira e praticante de valores humanistas e democráticos, nada se
faça para combater o
risco de desaparição de uma língua, que é o reflexo de toda uma cultura.
Não é aceitável que não se procure restituir a dignidade a uma cultura
tradicional.
Também não é muito digno que não se informe toda uma população das
suas raízes e da sua
História. Se se quiser, recorrendo a uma frase feita, "não é europeu",
e nem sequer
politicamente correcto.
Também o Estado Português não está isento de culpas. Independentemente
de aspectos
políticos e de contestação de traçado de fronteiras, aspectos que não
importa desenvolver
aqui, Lisboa tem a obrigação de agir. Ao abrigo das suas competências,
pode, deve,
transmitir muito claramente o seu descontentamento e a sua apreensão.
Propor soluções.
Editar brochuras. Protestar contra a ocultação da História. Como faz
noutros pontos do
mundo em que há presença portuguesa.
"A minha Pátria é a Língua Portuguesa", disse Fernando Pessoa, tão
citado por elites
variadas. Passe-se à prática este princípio !
Pela minha parte, pela nossa parte, não nos calaremos, e desde já nos
propomos a ajudar
pessoas ou instituições, independentemente da sua orientação política
ou da sua
nacionalidade, para combater a agonia do Português em Olivença.
O Primeiro passo poderá ser um Congresso, ou umas Jornadas, ou uns
Encontros, sobre o
tema, que reúna a participação de especialistas e autoridades das mais
diferentes
origens, unidos pela sua boa vontade...
Estremoz, Junho de de 2008
Carlos Eduardo da Cruz Luna
Carlos Luna Estremoz, Portugal carlosluna@iol.pt // caedlu@gmail.com
DOIS POEMAS SOBRE A JORNADA DE OLIVENÇA:
O PORTUGUÊS NÃO MORREU EM OLIVENÇA
(homenagem à jornada de 28-Fevereiro-2009 da língua portuguesa em Olivença)
Há setecentos anos, em Português,
nasceste como vila alentejana.
O teu castelo se fez com rapidez
e cresceste pujante e raiana.
Olivença, o nobre e o camponês,
no palácio ou na choupana,
falavam com toda a altivez
a sua linguagem lusitana!
A História colocou-te, dividida,
entre dois mundos em disputa.
Tua velha voz foi enfraquecida.
Mas a tu´alma sobreviveu à luta!
E de novo, porque nunca vencida,
é a língua de Camões que se escuta!
Estremoz, 25-Fevereiro-2009
Carlos Eduardo da Cruz Luna
VIVA O PORTUGUÊS DE OLIVENÇA!!!
Lusa língua que em ti se fala
como fruto da tua memória;
não se deixe que haja quem a cala
e defenda ser tal uma vitória!!
Em Olivença há quem faça gala
em odiar a voz da História,
e tente sepultá-la numa vala
como morta sem honra ou glória!!
A tua velha fala portuguesa
com o seu alentejano acento
revela música e beleza...
Não esqueças que todo o sentimento
p´ra ser profundo e ter grandeza
busca sempre nos avós alento!
Carlos Eduardo da Cruz Luna
Estremoz, 25 de Fevereiro de 2009
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